A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, em sua 29ª edição, trouxe para as ruas da Avenida Paulista, no último dia 22.06.2025, o tema central “Envelhecer – Memória, Resistência e Futuro”, conclamando a comunidade LGBTQIAPN+ a refletir sobre o processo de amadurecimento e a trajetória de muitas e muitos que dedicaram anos de vida à luta pela conquista de direitos inerentes aos diversos segmentos que se albergam sob a sigla mencionada.
O tema da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, considerada a maior do mundo, não surge como um fato do acaso. Em 2026, o evento completará três décadas de existência, evidenciando tanto o amadurecimento do ato político como também daqueles e daquelas que, no final dos anos 90, ousaram ir às ruas para reivindicar direitos e mostrar ao Brasil e ao mundo que existiam e não mais se submeteriam ao julgo da prisão do armário.
A discussão sobre “Envelhecer – Memória, Resistência e Futuro” é muito mais ampla do que o título possa parecer, pois provoca uma reflexão sobre o contexto histórico das cidadãs e cidadãos LGBTQIAPN+, emergindo do total ostracismo à alegria dos sorrisos e cores que fazem o delineamento mágico de uma Parada do Orgulho, seja em São Paulo, seja no Rio Grande do Norte.
A história oficial a que constantemente fazemos menção é contada sob a ótica masculina, heterossexual, branca, cristã, eurocêntrica, como se apenas homens fossem os “heróis” dos grandes feitos. Palmas para o trabalho do patriarcado e do machismo, que conseguiram incutir nas sociedades essa sensação de “naturalidade” em que tudo e todos os espaços são (ou deveriam ser) ocupados por homens brancos e heterossexuais, naturalizando a heteronormatividade como sendo “natural”, divino e correto.
Caberia a pergunta: não existiram heróis e heroínas gays, lésbicas, travestis e transexuais que construíram a história? Sim, elas e eles existiram e existem, mas estão ofuscados nos relatos manipulados e também pelo etarismo, tão disseminado no universo LGBTQIAPN+. Antropólogos e historiadores comprovam em seus estudos a presença da homoafetividade nas sociedades ao longo dos tempos, assim como a postura desses heróis e heroínas que viveram a preferência pelo “amor que não ousa dizer o seu nome”.
Contudo, esse traço tão importante para nossa comunidade é apagado dos relatos oficiais, para que não tenhamos orgulho ou referência dos feitos que os nossos iguais realizaram. Infelizmente, o preconceito com a idade se soma à manipulação da história e seguimos ainda buscando escrever nossos registros e memórias, a muito custo.
Se a história oficial exclui LGBTQIAPN+, o preconceito interno com a idade apaga as marcas deixadas por aqueles que conseguiram sobreviver aos severos processos repressivos, como se as gerações passadas não tivessem doado o próprio sangue para que o momento presente permita que alguém se declare como gay, lésbica, trans,… O direito de
colorir a Avenida Paulista foi conquistado sobre sofrimentos e perseguições de muitos corpos. Isso não pode ser apagado nem dos registros históricos, tampouco sucumbir diante do preconceito com as pessoas de mais idade, em face da supervalorização da jovialidade e dos corpos perfeitos.
É lindo ver a juventude assumir nas ruas a sua orientação sexual, trocar afetividades, casar, adotar filhos, etc. Contudo, não se pode esquecer que o mundo atual não foi entregue pronto e que, os direitos vivenciados hoje são oriundos de um processo de conquista realizado por outras e outros que, em muitos casos, não conseguiram chegar ao presente para usufruir dos frutos de suas lutas. Esse processo de consciência desperta a sensação de orgulhoso pertencimento à comunidade LGBTQIAPN+, ensejando um movimento contrário pelos setores reacionários, em contrapartida, que almeja nos lançar no obscurantismo intelectual.
Importante se destacar que os direitos conquistados possuem quase sempre um lastro frágil, sujeitos às forças do conservadorismo, às manipulações políticas ou à singela vontade de um Presidente da República. Basta que se diga, para exemplificar a afirmação, que o direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo não se encontra previsto em lei, mas sim em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, que pode ser revogada a qualquer tempo, bastando uma composição conservadora do órgão se instalar e desejar revogá-la.
Em face desses argumentos, o conhecimento da nossa realidade, o verdadeiro orgulho LGBTQUIAPN+ e o reconhecimento da luta por direitos daquelas e daqueles que nos antecederam são necessários para que tenhamos possibilidade de estar nas Paradas, nos cargos, nos empregos, nas famílias, …, onde desejarmos estar, sem baixar a cabeça e sem ter que se aprisionar no armário.
Para ser justo com a história e conivente com tudo que está explícito nesse texto, entende-se importante citar nomes de ativistas LGBTQIAPN+, que escreveram e escrevem as páginas da nossa história, como Paulo Augusto, Luiz Mott, João Nery , Miriam Martinho, Madame Satã, Renato Russo, João Silvério Trevisan, Keila Simpson, dentre tantos outros. Importante saber o que cada um deles e cada uma delas ajudou a edificar na realidade brasileira, registrando-se a sugestão de pesquisa.
Não poderia deixar de dedicar essa singela manifestação em memória de Jaqueline Brasil, ativista transexual, falecida no dia 24.06.2025, a qual conheci e tive o prazer de dividir muitos eventos e seminários. Sua existência e passagem pela terra são uma prova de que nem toda heroína usa capa e voa, mas enxuga lágrimas e luta por todas e todos, impulsionando a vontade de que o amanhã seja melhor do que o hoje. Que Jaqueline Brasil descanse em paz; contudo, que seus esforços sejam reverberados, na luta por um mundo de mais respeitos, conquistas e dignidade!
Parabéns pelo olhar sensível do texto, Axé!!!